Não dá para entender por que Deus leva para si pessoas tão talentosas, abençoadoras, boas e pacíficas, enquanto nas maternidades do meio evangélico todos os dias nascem, ou melhor, surgem e crescem milhares que são o oposto disso em pelo menos um aspecto. Não digo que nascem, pois para isso teriam de passar pelo crivo de João 3.5 ou se nascem é entre os espinhos. Um dia nasceu um homem e um dia esse homem foi levado ao Seio de Abraão, deixando órfãos aqueles que nasceram de novo e tem por pai a Deus, mas olham para aquele que os levaram a Cristo e só veem agora os rastros de uma história. E que história! Janires Magalhães Manso, uma lenda que se foi há 30 anos!
Aquele grupo de
aproximadamente 1000 jovens que o aguardavam para participar do “Clubão” no dia 30 de janeiro de 1988 em
Belo Horizonte nunca mais esqueceriam aquele homem com a sua Bíblia velha,
rabiscada, rasgada e o seu violão, que lhe foram companheiros nas horas de
íntima comunhão com Deus, de onde nasceram as canções que ensinaram uma geração
de jovens a adorar e ver a Deus com novas lentes. Aquela Bíblia, aquele violão
agora estavam jogados ao chão e aquela voz se apagou, deixando para a
posteridade um legado que abençoaria as Helenas, os Alex, os Baltazares e todos
aqueles não conseguem entender por que Deus leva pessoas tão cedo.
Assim escreveu Moisés
França (Grupo Hagios): “Mais que um poeta
que inovou a forma de expressar a fé, mais que um líder da maior banda cristã
de todos os tempos que deixou sua marca inovadora, Janires era uma pessoa, cujo
foco era Jesus Cristo de fato e não de boca.” Esse testemunho aguça o
raciocínio, levando-nos a conceber uma imagem de como era o Janires e a partir
disso chegar a conclusão de como a sua partida deixou uma lacuna enorme na
música cristã. A lacuna foi enorme no final da década de 80, pois na música
sacra Edison Coelho permanecia no topo, mas o rock cristão, que a duras penas conseguia
sua consolidação, perdia o seu maior poeta ou talvez um profeta - um profeta
maluco, cabeludo, sem terno e gravata que não precisava adocicar o evangelho
para torná-lo mais palatável. O que era lacuna nos anos 80, hoje tornou-se um
abismo, um buraco negro para onde até mesmo a música sacra está sendo engolida,
enquanto, ao mesmo tempo, as pessoas engolem e digerem o que não é poesia, não
é arte em seu real sentido e muito menos o evangelho. Por falar na maior banda
cristã de todos os tempos, o Rebanhão, às vezes as decisões de Janires não eram
compreendidas de imediato. Deixar o Rebanhão, do qual era líder e fundador,
cuja ascensão naquele período era algo inédito no país, e fundar uma nova banda
parecia uma atitude desconexa, mas assim ele procedeu com o coração ardendo
pela vocação missionária e com ele sua velha Bíblia e o violão que lhe
acompanharam em eventos evangelísticos em Belo Horizonte. Talvez a fama e a
consequente notoriedade que o Rebanhão estava tomando pudessem atrapalhar o
zelo missionário de um homem com hábitos simples que não se importava com
eventos pomposos, mas se importava com as pessoas e ia lá onde elas estavam –
nas esquinas, nas praças, nas ruas.
Janires vai muito além da
música, da poesia e do evangelismo. Conta Jerô (Banda Fé) que nas conversas com
ele só se falava das coisas do Reino, o que nos mostra o Janires do dia a dia –
um homem de fé e íntima comunhão com Deus! “Estávamos
sempre ministrando, principalmente nas vigílias, antes da vigília ficar famosa,
quando não existia o templo grande da igreja (...) uma das pessoas mais parecidas
com Jesus que eu já vi. Sempre esteve à frente de seu tempo e até hoje é
moderno”, conta Jerô ao Reviva. Trata-se da conhecida vigília de Bento Ribeiro, cuja saída de Janires resultou na liderança assumida por Marcos Góes que chegou a gravar discos ao vivo com a esse título. Esse depoimento é muito forte, pois há
pessoas santas em Cristo, e não tem talento para a música. Há pessoas que o
possuem, mas não têm a santidade do Senhor. Janires conseguia reunir talento e
uma espiritualidade profunda que antecedia e se sobrepunha ao “artista Janires”,
de modo que falava diretamente aos corações daqueles que não conseguiam captar
o evangelho nos moldes tradicionais, seja por meio da música ou mediante o
testemunho pessoal, junto aos viciados, mendigos e prostitutas.
Fala-se que “Festa de Arromba no Céu” foi apenas uma maneira criativa de fazer
uma versão da música de Erasmo Carlos, mas o que se depreende dessa versão,
considerando o contexto de repressão ao rock pelos evangélicos, é que no céu
não haverá nenhuma discriminação quanto ao estilo musical, pois lá estarão reunidos
e cantando uma só canção “Edison e Tita,
Sinal Verde, Ozeias de Paula e o Maurão”, cantores com os seus mais
diversos estilos, cuja união era um sonho naquela época, mas que “um dia vai se cumprir no lar celestial.” Esse
era o Janires visionário, por vezes essencialmente romântico em sua forma de
descrever a vida, o céu e a realidade ulterior e em outras vezes claro,
denotativo e sem medo de falar de seus anseios e missão como discípulo de
Cristo, expondo o evangelho em sua própria vida e sendo a Bíblia ambulante por
meio de quem muitos foram atraídos a Cristo.
Enquanto escrevo, ouço “Alex, o Baixinho Voador”. Os meus olhos
se enchem de lágrimas ao supor que talvez nessa música Janires estava cantando
para si mesmo, como se estivesse descrevendo, inconscientemente, toda a sua
história em uma única canção! Aquele acidente em 1988 foi uma tragédia para
nós, mas como diz a própria canção “no céu
quando você chegar e abrir o Notícias Celestial
pra ler vai descobrir que as derrotas aqui serão consideradas vitórias pelos
anjos, que do lado do seu nome no Livro da Vida tá escrito a palavra CAMPEÃO”.
65 anos seria a idade que
teria se estivesse entre nós, mas aprouve a Deus recolhê-lo, deixando nossos corações
com saudades e também alegres, pois as pancadas que ele levou abriu caminho para
o rock cristão no Brasil. Paradoxalmente, nos entristecemos, pois ficamos a nos
perguntar: quem conseguirá sair do buraco negro e quando nascerá um novo
Janires na nossa música? Será que é o desejo de Deus levar primeiramente os
bons, em vez de preservá-los e para conservarem todo esse legado deixado? O
conselho de Janires é este: “não deixa
não a tristeza fazer pole position em seu coração.”.
Em Cristo, Aleckson Marcos para o Reviva Gospel
Em Cristo, Aleckson Marcos para o Reviva Gospel